Mãe, Doce Mar, João Pinto Coelho

Coelho, João Pinto (2022). Mãe, Doce Mar. Alfragide: Publicações Dom Quixote.


Nº de páginas: 200

Início da leitura: 25/10/2022

Fim da leitura: 26/10/2022

**SINOPSE**

Depois de passar a infância num orfanato, Noah conhece finalmente Patience, a mãe, aos doze anos. Mas, apesar de ela fazer tudo para o compensar, nunca se refere ao motivo do abandono; e, por isso, seja na casa de praia de Cape Cod, onde passam temporadas, seja no teatro do Connecticut onde acabam a trabalhar juntos, há um caminho de brasas que teima em separá-los, mas que nenhum ousa atravessar.
Quando Noah encontra Frank O’Leary - um jesuíta excêntrico que guia um Rolls-Royce às cores -, descobre nele o amparo que procurava. Mesmo assim, há coisas que o padre prefere guardar para si: os anos de estudante; o bar irlandês de Boston onde ele e os amigos se encharcavam de cerveja e recitavam poemas; e ainda Catherine, a jovem ambiciosa que não temeu desviá-lo da sua vocação.

É, curiosamente, a terrível experiência de solidão num colégio religioso o primeiro segredo que Patience partilhará com Noah; contudo, quando essa confissão se encaixar no relato do padre Frank, ficará no ar o cheiro da tragédia e a revelação que se lhe segue só pode ser mentira.

Mal saiu este livro, fiquei imediatamente “em pulgas” para o ler, acreditando que este autor não defraudaria as minhas expetativas, criadas e confirmadas pela leitura de todos os seus livros anteriores.

Bastou ler o incipit “Tinha doze anos quando conheci a minha mãe – esta frase dá para tudo, até para abrir um romance”, para ficar ainda mais expectante.

Apesar de ser um romance diferente dos anteriores, mexe igualmente connosco: é duro, é muito verosímil (conhecemos situações idênticas) e muito bem escrito. O facto de o narrador ser o jovem Noah, abandonado à nascença pela mãe, criado num orfanato, rejeitado por várias famílias, devolvido ao orfanato, deixa-nos rendidos e empatizamos imediatamente com ele.

Quando, passados doze anos, a mãe o quer de volta a casa, começa para Noah uma vida nova, não necessariamente perfeita, mas com uma mãe…Mas Patience não é uma mãe carinhosa, muito menos presente e Noah acaba por se refugiar nos seus passeios de bicicleta, junto ao mar e dos três faróis de Three Sisters. É aí que conhece O’Leary, um padre muito pouco convencional, com o qual vai criando uma amizade.

Com a mãe o relacionamento é mais difícil, há muitas nuvens a toldar-lhe os olhos e a assombrar a sua existência. E, no fundo, Noah sabia que “mãe é um verbo, de todos o mais regular; não ia chamá-lo a Patience”. Do que ela gostava mesmo, era de dançar e de coreografar no teatro, o que a levava a passar dias a fio fora. Quando Noah lhe propõe trabalhar também no teatro, Patience acaba por aceitar e penso que, nesse momento, começa uma aproximação entre eles, ainda que tecida com linhas muito frágeis.

A partir daqui não conto mais, apenas digo que a história nos surpreende até ao final e que, só mesmo no fim, se ligam todas as pontas que foram sendo deixado soltas, para culminar num desenlace incrível.

Aconselho muito e deixo-vos com algumas passagens de que gostei particularmente, de entre muitas outras:

“Lembro-me da maçã (…) roxa, maior do que uma meloa. Peguei-lhe, saí de casa e fui a estalar dentadas até chegar à floresta.”

“…noite sinistra em que o céu caiu ao mar. Assim que isso aconteceu, a praia desapareceu engolida pelas águas, desgrenhou-se a tempestade em disparos de luz azul capazes de rachar tudo, cabelos incandescentes desse louco furioso, Deus de cabeça perdida”.

“O que deslumbra no mar é tudo o que o mar não mostra, esse além para onde se somem os navios…”

“As mães ligam-nos ao mundo, cada vez mais me convenço; perdes a tua, deixas de fazer parte, fica tudo mais hostil.”

Outras haveria, mas, como desvendam demasiado da história, aguardo que as encontrem nas páginas deste belíssimo livro.

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