As Primas, Aurora Venturini

Venturini, Aurora (2023). As Primas. Lisboa: Alfaguara Portugal.

Tradução: Rita Custódio e Àlex Tarradellas
Nº de páginas: 208
Início da leitura: 04/05/2023
Fim da leitura: 05/05/2023

**SINOPSE**
"A obra-prima de uma escritora catapultada para a fama literária mundial aos 85 anos. A história de uma família em que as mulheres procuram fugir à norma, com ecos de Lucia Berlin, Shirley Jackson e Carson McCullers.

Na cidade argentina de La Plata, nos anos de 1940, conhecemos Yuna e Petra, duas primas que pertencem à mesma família disfuncional, precária e destinada à desgraça. Pela voz de Yuna, vemos um universo tortuoso de mulheres abandonadas à sua sorte, a braços com a pobreza, a deficiência, o delírio fantasmagórico e a pressão social.

Para se evadir do cerco das histórias de ameaças, violações e homicídios, Yuna recorre à sua imaginação artística: a cada episódio de violência, pinta uma nova tela. Vendo na arte uma fuga ao estropiamento familiar, Yuna lança sobre o seu mundo um olhar selvático — ora cândido e perspicaz, ora violento e ensimesmado — e protagoniza uma história que desafia todas as convenções literárias.

Aurora Venturini poderia ser uma das peculiares personagens dos seus romances, já que o seu percurso ficou marcado pelo fait-divers de ter vencido um concurso literário para novos talentos quando já tinha escrito dezenas de livros e se aproximava do fim da vida.

Entre o romance de formação, a delirante autobiografia, o divertimento literário e a radiografia de uma época, As Primas é uma obra que celebra, ao mesmo tempo, as dimensões universal e privada da literatura, revelando a desconcertante originalidade de uma autora que ousa colocar perguntas quase sempre cuidadosamente mantidas em silêncio."

Que livro! De louvar a lucidez com que a autora, de 85 anos, escreveu esta história fantástica.
A narradora, protagonista, Yuna, nasceu e vive no seio de uma família, toda ela marcada por várias deficiências graves, quer físicas e/ou mentais. De realçar que Yuna nos narra a sua história de vida, sempre alertando o leitor para possíveis problemas com a pontuação, especialmente os pontos finais, uma vez que, para adquirir algum vocabulário, ainda que restrito, precisou de consultar persistentemente o dicionário. Talvez seja essa forma quase oral e oralizante que me cativou, pois escreve como quem conta uma história. E fá-lo com tanta naturalidade e sem pejo, que torna a história feia, crua e dura numa narrativa que nos prende e surpreende. No seio desta família, que é tudo menos convencional, não apenas pelas deficiências, mas pelas formas de vida (o pai desapareceu, a mãe é como se não existisse, a irmã é a pessoa com maior deficiência e cuja descrição pode repugnar os mais sensíveis ou que nunca lidaram com estes problemas, a prima é prostituta...), Yuna tenta, apesar das suas limitações intelectuais, fugir ao estigma da família, faz tudo para conseguir estudar (estuda muito o dicionário para vencer algumas das suas limitações vocabulares) e entrega-se à pintura, tendo um jeito natural que lhe permite viver da venda das suas obras e tornar-se famosa e apreciada pela crítica.
Um livro duro, como já referi, mas imperdível!

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