Mania, Lionel Shriver

Shriver, Lionel (2025). Mania. Coimbra: Minotauro.


Tradução: Ana Pinto Mendes
N.º de páginas: 380
Início da leitura: 06/04/2025
Fim da leitura: 10/04/2025

**SINOPSE**
"Melhores amigas desde a adolescência, Pearson e Emory encontram-se em lados opostos de uma nova guerra cultural.

À medida que a amizade delas se desfaz, a determinação de Pearson em agarrar-se à velha e preconceituosa forma de pensar começa a pôr em perigo o seu trabalho, a sua segurança e até a sua família.

O novo romance da autora bestseller Lionel Shriver é uma história brilhante e subversiva sobre uma amizade de longa data ameaçada por uma guerra cultural."
Um livro fabuloso! Posso não concordar com todas as ideologias políticas, mas considero o tema desta ficção especulativa e satírica, que parece tão real, muito pertinente e inteligente.
A história é contemporânea, reportando-se ao momento em que a Paridade Mental se consolidou. Esta época de "igualitarismo intelectual" - que preconiza que todos são igualmente inteligentes e a discriminação com base na inteligência é a grande luta pelos direitos civis - impedia que se chamasse alguém de "burro", de "estúpido" ou "intelectualmente desprovido" e incitava as crianças a denunciarem os pais que as proferissem em relação a elas. 
Pearson Converse é professora de inglês numa pequena universidade, numa época em que o movimento da Paridade Mental tomou conta dos Estados Unidos, com a noção sedutora de que todos os cérebros humanos são iguais e ninguém pode ser mais inteligente do que ninguém. A autora é mordaz e provocadora em relação a vários aspetos, de entre os quais destaco o sistema de ensino, que, para não discrimar, opta por descartar exames, testes, notas, abrindo os cursos universitários a todos; mas que, ao mesmo tempo, censura determinados livros e programas televisivos que pudessem abrir as mentes. 

Não me vou alongar mais, pois penso que merece ser lido. Deixo, porém, duas das várias passagens que dão que pensar:

"Emergindo de trás da secretária, eu estava descontrolada, mas fosse qual fosse a paciência que me sustentou durante anos, a fonte onde a ia buscar tinha secado. O depósito da contenção no meu próprio interesse não tinha pingo de conteúdo. — Vocês todos são mesmo estúpidos a ponto de acreditar nesta verborreia sobre «todos são tão inteligentes como todos os outros» ou estão cinicamente a alinhar com uma mentira que sabem ser mentira? Sabem entretanto sequer qual é a diferença entre uma coisa e outra? Seja como for, acham que esta mentira é inofensiva? A grande maioria dos estudantes aqui nunca teria sido admitida nesta universidade, nem mesmo com requisitos mínimos de aptidão. Só para que não haja mal-entendidos: sem qualquer espécie de rodeios, na sua maioria, os vossos colegas são estúpidos. Por isso, até os estudantes inteligentes estão a afogar-se no meio da estupidez. Estamos a formar engenheiros que não conseguiriam fazer um... um cesto feito de paus de chupa-chupa! Programadores informáticos que não sabem ativar o itálico no Microsoft Word! Experimentem ir agora às urgências do hospital e quem vos faz o diagnóstico é um palerma qualquer que pesquisa freneticamente os vossos sintomas na página WebMD.com e faz amputações com tesouras rombas! Todos os membros do governo federal foram escolhidos especificamente por serem mais duros de entendimento do que um pão de três semanas e são estas pessoas que encarregámos de não deixar a economia ir parar às couves e de representar este país no estrangeiro! Acham que nos veem como assim tão estonteantemente e invejavelmente justos? Não, somos alvo da chacota do mundo inteiro! A China e a Rússia acham que somos atrasados mentais. E têm razão! Somos atrasados mentais! A Paridade Mental é um atraso mental e todos os que alinharam com ela são atrasados mentais, o que, receio bem, me inclui a mim também, por ter cooperado com esta farsa durante cinco minutos que fossem, quanto mais seis longos anos, por isso, mea culpa! Esta instituição é uma atrasada mental, este país é um atrasado mental e a vossa professora também é uma atrasada mental: atrasados, atrasados, atrasados!"

"...em 2020, Donald J. Trump foi levado ao colo pelo igualitarismo cognitivo. O que quer que pensemos acerca das suas políticas, o grande inepto transformou radicalmente o modelo de referência para os ocupantes do mais alto cargo dos Estados Unidos. É agora dado adquirido que, para ser levado a sério para uma nomeação presidencial por qualquer um dos principais partidos, qualquer candidato terá de ser necessariamente pouco instruído, mal informado, mal falante, rude, alheado do resto do mundo, nada atraente e preferencialmente gordo, desinteressado de qualquer conselho de pessoas mais experientes, desconfiado do conhecimento profundo acerca das coisas, com um pendor para violar os devidos procedimentos constitucionais, nem que seja por absoluta ignorância em relação à Constituição, narcisista sem justificação nenhuma e gabar-se de coisas que em tempos teriam sido entendidas como defeitos. Presumimos alegremente que quem quer que venha a ser eleito presidente se fará rodear de pessoas medíocres e nomeará deliberadamente para o Governo pessoas cujas principais credenciais são o facto de não terem credenciais nenhumas."

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