Ayoyama, Michiko (2024). Chocolate Quente às Quintas-Feiras. Alfragide: Lua de Papel.
Tradução: C.S.C. MarquesN.º de páginas: 176
Início da leitura: 28/09/2025
Fim da leitura: 30/09/2025
**SINOPSE**
"Numa rua secundária de Tóquio, entre filas de cerejeiras em flor, é possível descobrir o Café Marble. Ali, todas as quintas-feiras, às três da tarde em ponto, uma misteriosa rapariga instala-se numa mesa junto à janela e pede um chocolate quente - mesmo nos dias de maior calor. Durante horas a fio, lê cartas em inglês e responde esmeradamente, com uma graciosa caligrafia, usando a sua caneta de aparo. Ela é a nossa primeira companhia numa viagem pelos sonhos, medos e alegrias de uma série de personagens, que aparecem e desaparecem na história, ligadas por fios invisíveis. Encontramos uma publicitária de sucesso que se vê obrigada a cuidar do filho - e a fazer -lhe uma omelete; uma professora primária que decide pintar as unhas de cor-de-rosa; ou ainda uma jovem que, em vésperas de se casar, tenta encontrar uma amiga com quem já não fala há anos…
Todas elas se cruzam no universo que Michiko Aoyama - a autora de O Que Procuras Está na Biblioteca - vai desvendando aos poucos. Conhecemos e apaixonamo-nos por aquelas personagens, tão próximas de nós nas suas aspirações, nos seus arrependimentos, nas decisões que tomam.
Chocolate Quente às Quintas-Feiras, fiel ao seu título, é um livro para se saborear lentamente, deixando que o tempo passe, reencontrando em cada página o calor daquele café onde todos nos sentimos em casa."
Ler Chocolate Quente às Quintas-Feiras, de Michiko Aoyama, é como entrar num espaço íntimo, onde o tempo corre devagar e cada gesto ganha um peso inesperado. As personagens são a alma desta narrativa — e foi nelas que encontrei o maior encanto. Por momentos, senti uma vontade quase física de atravessar a porta do Café Marble, pedir um chocolate quente e sentar-me diante da misteriosa rapariga que, semana após semana, lê e responde a cartas em silêncio. Esse ritual simples transforma-se em farol da história: um ponto de encontro entre vidas dispersas, um espaço onde os silêncios falam mais alto do que as palavras.
Ainda assim, houve instantes em que percebi uma certa dispersão narrativa. O enredo abre-se em várias direções, acompanhando personagens que surgem e desaparecem, deixando no ar a sensação de se que poderia ter aprofundado a história de cada uma delas. No entanto, talvez seja exatamente essa opção que confere ao livro a sua singularidade: cada figura é como uma janela breve, um vislumbre de vidas que carregam sonhos, fragilidades e escolhas, tal como as nossas. Essa multiplicidade cria uma tapeçaria de experiências humanas, em que a publicitária sobrecarregada, a professora que pinta as unhas cor-de-rosa ou a noiva em busca de uma amiga perdida se tornam reflexos possíveis do leitor.
O que parece disperso no início acaba, no entanto, por reencontrar um fio comum. É como se a autora, com delicadeza, nos mostrasse que não é necessário resolver tudo, mas basta reconhecer os laços invisíveis que unem as pessoas. E é nesse gesto que o livro nos envolve de novo: no regresso ao Café Marble, no aroma de chocolate quente, na tranquilidade que nasce de perceber que as vidas, mesmo distantes, ecoam umas nas outras.