Primo Levi, Matteo Mastragostino e Alessandro Ranghiasci

Mastragostino, Matteo e Ragghiasci, Alessandro (2023). Primo Levi. Lisboa: Levoir.

Tradução: Vasco Gato
N.º de páginas: 128
Início da leitura: 08/12/2025
Fim da leitura: 09/12/2025

**SINOPSE**
Sabem, crianças, quando eu tinha a vossa idade, gostava muito de números, mas não podia imaginar que iria usar seis deles no meu braço durante toda a minha vida. É desta forma que Primo Levi começa a sua visita à escola primária Felice Rignon, que tinha frequentado quando criança. E revisitada na ficção da história: ele regressa lá, chamado pela professora, para contar a sua própria história Em 1943 juntou-se à resistência como nos conta Francisco Louçã no prefácio deste livro: Primo Levi, que se tinha juntado a um grupo de guerrilheiros no Val d’Aosta, mal preparados e algo ingénuos, foi preso ao fim de poucos meses e enviado num desses comboios para Auschwitz. A sua prima Vanda, que o convencera a tornar-se partigiano, foi enviada para o campo de Birkenau, onde foi das últimas mulheres a ser assassinada. E ele viveu onze meses no campo de memória mais sinistra, até à chegada das tropas soviéticas. Também Frediano Sessi, numa entrevista a Francesco Mannoni nos fala de Levi como resistente: "partigiano não violento que usava a palavra para convencer quem não concordasse consigo" .


A novela gráfica Primo Levi, de Matteo Mastragostino com ilustrações de Alessandro Ranghiasci, oferece uma abordagem única à memória do Holocausto ao partir de Se Isto é um Homem, sem nunca tentar reproduzir o livro de Levi. Em vez disso, constrói uma narrativa própria, na qual o autor, ou melhor, a figura literária de Primo Levi, visita uma escola e relata às crianças aquilo que viveu em Auschwitz. Esta opção narrativa, aparentemente simples, revela-se uma solução poderosa: aproxima Levi dos leitores contemporâneos, sobretudo dos mais jovens, e torna a transmissão da memória um gesto íntimo, direto, quase urgente.
O grande mérito da obra reside precisamente neste diálogo intergeracional. À medida que Primo Levi descreve as etapas da perseguição, da deportação e da vida no campo, vemos crianças inicialmente inquietas, céticas ou simplesmente desinteressadas a transformarem-se. A incredulidade dá lugar ao respeito, e o distanciamento à empatia, prova de que a narrativa, quando bem conduzida, continua a ter força para desarmar resistências e despertar consciências. Mastragostino sabe equilibrar o peso do testemunho com uma linguagem acessível, sem nunca banalizar o horror nem infantilizar o leitor.
As ilustrações de Ranghiasci desempenham aqui um papel fundamental. O traço contido, quase austero, evita o sensacionalismo e reforça a sobriedade do relato. As tonalidades esbatidas e o uso expressivo do vazio gráfico sublinham a desolação dos episódios narrados, ao mesmo tempo que permitem uma leitura clara, emocional, mas não opressiva, um equilíbrio difícil quando se trata de representar o Holocausto.
No conjunto, Primo Levi é uma obra que honra a memória sem a cristalizar. Ao inserir o testemunho num contexto escolar contemporâneo, a novela gráfica renova a relevância de Levi e convida o leitor a refletir sobre a forma como transmissões de memória podem e devem continuar a ser construídas. Comovente, pedagógica e artisticamente contida, esta adaptação demonstra que há sempre novas maneiras de contar o indizível, desde que o respeito e a responsabilidade sejam os seus pilares.

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