Um Muro no Meio do Caminho, Julieta Monginho

Monginho, Julieta (2018). Um Muro no Meio do Caminho. Lisboa: Porto Editora.

Nº de páginas: 248

Início da leitura: 04/09/2022

Fim da leitura: 06/09/2022

SINOPSE

Trazem o que lhes restou: um caderno, um brinco, fotografias, a t-shirt do filho que morreu, um bebé a crescer na barriga, o barulho do seu quarto a ruir. Atravessado o mar, ergue-se o obstáculo inesperado: o muro construído pela hostilidade, esquecida dos que sucumbiram sem refúgio em território europeu, há menos de um século. À porta do muro alastram os campos de refugiados - chão de pedras, ratos, tendas fustigadas pelo sol, pela neve, pelas quezílias.

De todo o mundo acorrem os que ajudam. Levam as mãos para amparar, mimar, oferecer e cozinhar, os olhos para ver e entender.

As histórias são mais que mil e uma. A de Amina e Omid, os fugitivos, a de Dimitris, o grego cercado pelos seus próprios muros, as de Ann e Saud, Juan e Eleni. Vidas suspensas, à beira do muro, à porta da Europa.

Um Muro do Meio do Caminho é um livro realmente bom, que recebeu o Prémio Fernando Namora, em 2019.

Como refere a autora “Este é um livro de ficção. Nenhuma das personagens corresponde a uma pessoa real.” Ainda assim, a ficção foi criada a partir de conversas que a autora teve na ilha grega de Chios, numa viagem de aprendizagem pessoal feita em 2016 como voluntária, na qual contactou com as condições deploráveis no acolhimento de refugiados da Síria e do Afeganistão, desde a falta de casas de banho, de água, de eletricidade, de condições de saneamento e esgotos, lamentando profundamente o desprezo a que foram votados. O acolhimento por outros países da Europa constitui o sonho das jovens mulheres de hijab, dos rapazes mais rebeldes, das mulheres que tudo perderam, das crianças sem família e de todos os que lutam por eles, por melhores condições de vida ou apenas as previstas na convenção dos Direitos Humanos. Os que conseguiram trazer alguma coisa, o que terão escolhido e porquê? De que forma poderão sair daquela “prisão”? Quem poderá prestar-lhes auxílio? Serão livres para, por exemplo, irem ao encontro dos maridos que já estão algures na Europa? Quais as dificuldades por que passa quem tenta ajudar? Será possível prestar auxílio sem que se envolvam emocionalmente?

Este é um livro literário que incomoda, que denuncia, que questiona, que choca e que abana até os menos sensíveis a estas questões. É impossível ficar-se indiferente.

Deixo dois excertos para que fiquem com a noção da forma como a temática é abordada.

“O mundo dos desejos está reservado aos que moram no continente de marca, tanto mais altivo quanto mais se afasta da pobre costa sul. Aos que querem lá entrar exige-se que deixem à porta as ilusões e, se teimarem, ao menos que tomem o lugar de pessoal menor que lhes foi reservado à nascença”.

“O que seria do mundo sem as armas? O que seria a raiva, sem a possibilidade de eliminar o semelhante? Se o dinheiro desaparecesse por magia, o que fariam os homens à cobiça? Se as terras se unissem num único lugar, o que fariam os homens às disputas? Se os espelhos desaparecessem, o que fariam os homens à vaidade? O que fariam os homens à compaixão?...”

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