Nem Todas as Baleias Voam, Afonso Cruz

Cruz, Afonso (2016). Nem Todas as Baleias Voam. Lisboa: Companhia das Letras.


Nº de páginas: 280

Início da leitura: 05/11/2022

Fim da leitura: 06/11/2022

**SINOPSE**

"Será possível vencer a guerra com a música? Em plena Guerra Fria, a CIA engendrou um plano, baptizado Jazz Ambassadors, que tinha como missão cativar a juventude de Leste para a causa americana. 

É neste pano de fundo que conhecemos Erik Gould, pianista de blues, exímio e apaixonado, capaz de visualizar sons e de pintar retratos nas teclas do piano. A música está-lhe tão entranhada no corpo como o amor pela única mulher da sua vida, que desapareceu de um dia para o outro. Será o filho de ambos, Tristan, cansado de procurar a mãe entre as páginas de um atlas, que encontrará dentro de uma caixa de sapatos um caminho para recuperar a alegria."

Afonso Cruz tem definitivamente o dom da escrita! 

A delicadeza e, ao mesmo tempo, força da linguagem, a criatividade das construções, o coloquialismo que consegue através das repetições de palavras e frases, em jeito de conversa com o leitor, as metáforas criativas, o corpo e a credibilidade que dá às personagens (que facilmente visualizamos na nossa mente), a história que nos prende de imediato até ao fim, onde se conjugam múltiplos ingredientes: a música, que através das teclas do piano, tocado por Erik Gould, consegue adentrar-se e deixar em êxtase quem a escuta, ainda que nasça de muita dor infligida pelo próprio; o amor quase insano que Gould nutre por Natasha, que o deixou, mas que ele acredita que regressará, a quem envia cartas em garrafas atiradas ao mar; o fantástico, através da morte que a criança, Tristan, consegue ver, cuidar, guardar lugar para ela, até se ir desprendendo, gradualmente; o livreiro Isaac Dresner, que publica textos de um desconhecido, porque os acha muito bons, mas nem ele sabe que resultam de pessoas que ele tortura para lhe contarem histórias; Clementine, a prostituta que sabia falar latim, personagem crucial no crescimento e libertação de Tristan, a quem chama "meu príncipe" e a pintora, mulher de Isaac, a Tsília. 
A par, o Relatório Gould, dá-nos a conhecer melhor os factos e as personagens, ao se tecerem comentários sobre os vários acontecimentos e pessoas envolvidas.

Verdadeiramente brilhante e imperdível!

Algumas (poucas) passagens de entre as muitas que selecionei:

"À noite, na cama, os sonhos de Gould eram uma forma de Natasha se deitar dentro da sua cabeça... Acreditava que Natasha pudesse voltar quando ele não estivesse em casa para a receber e beijar dos pés até ao coração." (pág. 20)

"- Porque estás tão sério?

Se as suas emoções pudessem traduzir-se em palavras, seriam assim: Por causa da nota que tocas na cabeça, por causa das paredes que tens nos olhos, por causa das cicatrizes todas na tua pele, das rosas e da tristeza (...) por causa dos sonhos que ainda não cumpri e porque me sinto sozinho como se estivesse pendurado no meio do Universo, preso a uma estrela muito distante (...) Mas Tristan não saberia verbalizar assim as emoções..." (pág. 41)

"Tristan pegou na esponja e no sabão e deu banho à morte(...)lavou os pés à morte e as coxas e as virilhas e as costas e os sovacos e os cabelos grisalhos (...) A morte levantou o rosto velho, olhou Tristan nos olhos e sorriu enquanto ele lhe tirava o champô." (pág. 90)

"...a arte é um desvio da norma. Corrompe. Desfaz. A arte é uma doença da expressividade humana." (pág. 130)

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