Um Cão no Meio do Caminho, Isabela Figueiredo

Figueiredo, Isabela (2022). Um Cão no Meio do Caminho. Lisboa: Editorial Caminho.

Nº de páginas: 296

Início da leitura: 18/11/2022

Fim da leitura: 19/11/2022

**SINOPSE**

"Este novo romance de Isabela Figueiredo, a que ela deu o sugestivo e justificado título de Um Cão no Meio do Caminho, conta-nos as histórias de um homem e de uma mulher que sofrem, cada um à sua maneira, um dos grandes males da vida moderna - a solidão.

Neles a solidão é a resposta aos violentos acidentes com que a vida os agrediu. As sociedades modernas vivem sobre a violência. Mas há quem a recuse, como é aqui o caso de José Viriato e da sua misteriosa vizinha, Beatriz, que todos conhecem como a Matadora. O acaso junta-os, como o leitor verificará com a leitura deste livro.

Que resultado obtemos quando se juntam duas solidões? É esta a questão que este novo romance da autora do aclamado A Gorda vem equacionar, deixando a resposta ao critério de cada leitor. Eventualmente um cão pode ajudar."
Que livro tão, mas tão bom! Se já tinha gostado de A Gorda, este correspondeu e ultrapassou quaisquer expetativas criadas. 
Primeiro: as canções sugeridas na ficha técnica para nos acompanharem durante a leitura enquanto "som ambiente" são, já de si, uma excelente companhia e um estímulo à leitura. A música tem o poder de me ajudar a relaxar, a descontrair, criando, assim, o ambiente ideal à concentração na leitura.
Segundo: a abertura da narrativa: "O futuro não está escrito (...) O futuro está em aberto até à sua revelação, cujo calendário desconheço. A surpresa é que nos catapulta para o passo seguinte. Um encontro inesperado, um acidente, uma história…"
Terceiro: duas personagens riquíssimas: a vizinha do narrador, que prende a sua solidão à dele quando lhe conta o seu caso de amor decorrido "há muito tempo", que é uma mulher solitária, uma acumuladora de lixo, lixo esse que são as suas recordações, especialmente da mãe, junto com as fotos que tirou e que continua a tirar, que guarda religiosamente, tudo muito organizado, em caixas. As histórias "fortes" dela, do seu passado, que ele escuta com interesse, porque "gostava de uma boa história". Depois, temos o narrador, um homem igualmente solitário, por opção, que vive apenas com os seus cães e que, durante a noite, vasculha os contentores do lixo à procura de "coisas" que possa vender. Enquanto nos é descrito o dia a dia destas personagens, vamos (re)conhecendo as ruas da Margem Sul, de 2019.
Quarto: a narrativa é magnífica. O passado é recuperado através de analepses, através de conversas entre estas duas personagens, uma vez que "A memória de cada um é o seu bilhete de identidade íntimo": os dramas familiares do narrador, o divórcio dos pais, a entrega da mãe ao álcool, o resgate de "um cão no meio do caminho", a morte da mãe, a mudança para casa da avó, o seu amor pelos animais, a necessidade de ser livre… são muitas as recordações. Também aqui surge a perspetiva histórica sobre a cidade da sua infância: a visão crítica dos "de cá" em relação aos "retornados" (que o ajudaram a resgatar o cão ferido, a quem chamou, mais tarde, Cristo), como "os que têm o rei na barriga", "uns vândalos", enxotados pelos vizinhos...
Quinto: a elegância da linguagem, a oralidade das "gentes" que nos vão sendo descritas, sempre sem momentos mortos, adensando o interesse do leitor a cada passagem.
Poderia continuar a enumerar qualidades, que são muitas, mas não quero adiantar mais sobre este magnífico livro.
Um livro que não pode mesmo deixar de ler!

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