Jaeggy, Fleur (2025). O Medo do Céu. Lisboa: Alfaguara.
Tradução: Ana Cláudia Santos
N.º de páginas: 128
Início e fim da leitura : 29/08/2025
Estas são histórias trespassadas pela morte, ensombradas pela vingança do céu, desenhadas com clarividente onirismo.
Há uma mãe que detesta a filha e lhe nega um destino promissor; uma criada vinda de uma aldeola italiana com um objeto de devoção; duas mulheres que se conhecem no jardim zoológico e se juntam, honrando uma promessa; a assombração de um cão; gémeos órfãos que tomam posse de uma casa em ruínas e se dedicam a enfeitar caixões.
Há flores murchas; ares lacustres estagnados; instituições governamentais para velhos, ou incapacitados; objetos de culto profanados e vingativos; pais e filhos que se punem; a vaidade na velhice. As personagens destes contos temem o céu e agradecem-lhe, já que apenas o céu conhece as profundezas dos seus desejos.
Fleur Jaeggy volta a afinar aqui a tessitura única — trama, linguagem, imaginação — que transforma cada um dos seus livros em peças cintilantes de inquietação humana e literária."
É impossível não reconhecer a singularidade da escrita breve, fragmentada e de uma clareza cortante, mas ao mesmo tempo impregnada de uma estranheza que incomoda, de Jaeggy.
O livro apresenta um conjunto de narrativas onde a infância, a solidão e a morte se insinuam de forma quase obsessiva. São histórias povoadas por personagens que se movem em ambientes fechados, muitas vezes claustrofóbicos, onde a ternura é sempre negada ou adiada. O título — O Medo do Céu — sugere essa tensão permanente entre o desejo de transcendência e o peso de uma realidade fria, implacável.
A economia verbal obriga-nos a abrandar, a regressar a frases que, de tão nuas, se tornam quase oraculares. Ao contrário de narrativas que procuram desenvolver personagens e enredos, Jaeggy prefere oferecer lampejos, fragmentos que funcionam como visões: incompletas, mas poderosas. Essa recusa de explicação pode ser frustrante para alguns leitores, mas é também aquilo que confere à sua escrita uma força hipnótica.
O Medo do Céu não é literatura de conforto; é uma experiência de estranheza e de silêncio, feita de sombras e de fulgores breves. Ao fecharmos o livro, ficamos com a sensação de que estivemos diante de uma autora que escreve contra a fluidez, contra a pressa, e que, nesse gesto, consegue tocar num território mais profundo: o da inquietação essencial que nos acompanha.