A Polícia da Memória, Yoko Ogawa

 Ogawa, Yoko (2021). A Polícia da Memória. Lisboa: Relógio D'Água.


Tradução:Inês Dias
N.º de páginas: 248
Início da leitura:18/09/2025
Fim da leitura: 21/09/2025

**SINOPSE**
"Numa ilha sem nome, situada numa costa anónima, há objetos que começam a desaparecer. Primeiro chapéus, depois fitas, pássaros e rosas — até que a situação se agrava. A maioria dos habitantes permanece desatenta a estas mudanças, e os poucos com poder para recuperar os objetos perdidos vivem receosos da Polícia da Memória, entidade que assegura que o que desaparece permanece esquecido.

Quando uma jovem mulher, que luta por manter uma carreira de romancista, descobre que o seu editor está em perigo, elabora um plano para o ocultar debaixo da sua casa. À medida que medo e sentimento de perda se aproximam, rodeando-os, agarram-se à escrita como modo de preservar o passado."
Se soubesse que este livro era tão bom, tê-lo-ia lido muito antes. A Polícia da Memória, de Yoko Ogawa, é daquelas obras que nos agarra desde a primeira página, não apenas pela originalidade do enredo, mas pela delicadeza com que constrói um universo em desaparecimento.
Estamos perante uma distopia silenciosa, onde as coisas – objetos, lembranças, pedaços de identidade – vão sendo apagadas da vida das pessoas. Mais inquietante do que a perda física é a perda do significado, da ligação emocional, da própria capacidade de recordar. A autora consegue criar um ambiente denso, mas subtil, que nos envolve e nos faz sentir o peso de cada esquecimento.
As personagens são extraordinárias. A protagonista, com a sua força discreta, R, com a coragem de resistir, e o velhote, com a sabedoria terna de quem guarda o que resta, tornam-se âncoras num mundo em dissolução. É impossível não criar laços com eles. São os seus afetos, a sua tentativa desesperada de preservar as memórias, que nos mantêm atentos e nos lembram que a verdadeira luta é a de manter viva a essência do que somos.
Esta história é uma metáfora poderosa do nosso tempo. Mesmo que o nosso mundo não vá desaparecendo objeto a objeto, também nós assistimos a um lento desgaste: dos valores, da confiança, dos afetos. Ogawa lembra-nos que a perda nem sempre é ruidosa; às vezes é uma erosão quase impercetível, que só damos por certa quando já é tarde demais.
À medida que avançamos na leitura, o coração aperta-se numa angústia quase física. Sentimo-nos dentro da ilha, ao lado das personagens, testemunhas de um fim inevitável – não apenas de coisas, mas de tudo o que dá sentido à existência.
A Polícia da Memória é, sem dúvida, uma leitura imprescindível. Um livro que nos faz pensar, sentir e temer. Recomendo vivamente: é daquelas obras que permanecem connosco, mesmo quando fechamos a última página.

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