Peixoto, José Luís (2014). Galveias. Lisboa: Quetzal Editores.
Nº de páginas: 280
Início da
leitura: 18/09/2021
Fim da leitura: 19/09/2021
SINOPSE
Galveias
está entre os grandes romances alguma vez escritos sobre a ruralidade
portuguesa.
O
universo toca uma pequena vila com um mistério imenso. Esse é o ponto de acesso
ao elenco de personagens que compõe este romance e que, capítulo a capítulo,
ergue um mundo.
Como uma condensação de portugalidade, Galveias é um retrato de vida, imagem despudorada de uma realidade que atravessa o país e que, em grande medida, contribui para traçar-lhe a sua identidade mais profunda.
OPINIÃO
Galveias
é uma vila no Alentejo, onde nasceu José Luís Peixoto e dá nome ao livro. A
ação decorre nesta vila em 1984.
A
história começa com a queda de “a coisa sem nome”, um possível meteorito que liberta
um intenso cheiro a enxofre que se propaga por toda a vila e, numa zona rural
como Galveias, em que se trabalha essencialmente sob um céu aberto e em que se
acredita nos desígnios de Deus e dos céus, aquela pedra não vaticinava nada de
bom. Durante toda a narrativa, as personagens sabem que tudo está diferente,
tudo está impregnado daquele cheiro, tudo sabe a enxofre e nunca mais nada foi
igual (é o caso do pão, que agora tem um amargor que nunca se lhe sentiu. Ora,
simbolicamente o pão não significa apenas o alimento do corpo, mas também o
alimento espiritual, a vida, a renovação, a prosperidade, a humildade e o
sacrifício. E, como diz o provérbio, “Casa onde não há pão, todos ralham e
ninguém tem razão”). Mas ninguém se atreve a aproximar-se muito de “a coisa sem
nome”, a única coisa sem nome na vila.
Apesar
de neste romance surgirem muitas personagens, todas elas têm o seu lugar no
romance e em Galveias. São as personagens que todos nós, ainda que não sendo de
Galveias, reconhecemos das nossas aldeias: o padre, as viúvas, os bêbados, os
velhos, a professora primária, o mecânico das motorizadas, os homens da guarda,
o senhor doutor, as prostitutas, cada um com a sua devida alcunha.
Reconhecem-se os espaços: as tascas, a escola, a barbearia, o salão de cabeleireira,
a discoteca…Afinal, também eu vivo no interior de Portugal e, apesar de muita
coisa ter mudado, algumas das nossas aldeias preservam as suas tradições, as
suas “personagens”, os seus cheiros, os seus sabores, o frio cortante do
inverno e o calor abafado do verão, as paixões, as rixas, as decisões, a
loucura, a pobreza, o duro trabalho no campo, as superstições, a crença... Pena
que outras estejam a desaparecer, as escolas a fechar e as memórias a ficarem
perdidas num tempo passado.
É
numa escrita dura, por vezes irónica, que nos chegam as histórias destas gentes
de Galveias, numa prosa limpa, com uma maior preocupação com o conteúdo do que
com os floreados linguísticos. Simples, como simples é Galveias da memória do
autor.
Termino
com três excertos, de entre muitos que poderia citar:
“Todos
temos um lugar onde a vida se acerta. Cada mundo tem um centro. O meu lugar não
é melhor do que o teu, não é mais importante: Os nossos lugares não podem ser
comparados porque são demasiado íntimos. Onde existem, só nós os podemos ver.
Há muitas camadas de invisível sobre as formas que todos distinguem (…)” (Fala
de Dona Fátima – pág. 202).
“Havia
demasiada noite a preencher o céu e os campos. A lua era pouco mais do que uma
linha arqueada e, mesmo assim, continuava a minguar, como se quisesse
desaparecer e desresponsabilizar-se. As estrelas cobriam o mundo de relevo,
desenhavam outeiros na escuridão, propunham um terreno invertido, onde se
pudesse imaginar outra vida” (pág. 233).
“O
futuro está cheio de momentos impossíveis à espera de acontecerem.” (pág. 247).
Escusado será
dizer que gostei muito deste livro e que recomendo vivamente a sua leitura!
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