Histórias Soltas Presas Dentro de Mim

 Afonso, Olivier e Chico (2022). Os/Les Portugais. Benavente: Ala dos Livros.

Tradução: Catherine Labey e Maria José Magalhães Pereira
N.º de páginas:136
Início da leitura: 28/11/2025
Fim da leitura: 30/11/2025

**SINOPSE**
"Aos dezoito anos, Mário foge de Portugal escondido na bagageira de uma velha viatura. Na fronteira franco-espanhola, local onde o seu passador o deixa, conhece Nel. Na companhia deste jovem compatriota, vai descobrir a vida aventureira dos emigrados num bairro de lata da região parisiense: trabalho nas obras, noites regadas a vinho verde, conversa, esquemas…
Esta história de amizade singular é transversal ao destino de milhares de Portugueses que, nos anos 1970, fugiram da ditadura de Salazar e tentaram, cada um à sua maneira, reconstruir a sua vida. Estória pessoal e simultaneamente história de um país que em 1974 saiu da ditadura para dar os primeiros passos em democracia, o livro Os/Les Portugais é uma obra imperdível."
Os Les Portugais afirma-se como um relato ficcional que recupera, com sensibilidade e rigor, a experiência migratória portuguesa rumo a França no final dos anos 60 e ao longo da década de 70. Através da figura de Mário, jovem que abandona Portugal de forma clandestina, o livro restabelece a memória de um movimento coletivo motivado tanto pela necessidade económica como pela fuga ao clima político e militar do país.
O argumento evidencia um trabalho de pesquisa atento, mas nunca se transforma num simples exercício documental. Afonso e Chico integram o contexto histórico com naturalidade, preservando a centralidade das personagens e das suas vivências concretas. O percurso de Mário, desde a travessia improvisada até à chegada aos subúrbios parisienses, ilustra a vulnerabilidade, o desamparo e a esperança contraditória que acompanharam muitos emigrantes de então. A relação com Nel, companheiro ocasional de fuga, e o encontro com Eva, já habituada ao quotidiano árduo do bidonville, ampliam o olhar sobre a formação de pequenas comunidades improvisadas, unidas por necessidades comuns e por um desejo de pertença.
A dimensão gráfica da obra contribui decisivamente para a sua força expressiva. A representação visual dos bairros de lata, dos espaços exíguos e da rotina laboral sem garantias reforça o tom contido e realista da narrativa. Os autores evitam tanto a idealização como o melodrama, optando por uma abordagem direta que confere dignidade às personagens e sublinha a resiliência que marcou grande parte desta geração. Aconselho a leitura!

 Sendker, Jean-Philipp (2025). O Silêncio Que Guardaste no Coração. Lisboa: Alma do Livros.

Tradução: Hugo Alves
N.º de páginas: 336
Início da leitura: 24/11/2025
Fim da leitura: 27/11/2025

**SINOPSE**
"Julia Win é uma advogada bem-sucedida em Manhattan, mas a sua vida privada está numa encruzilhada; acabou recentemente o namoro, sofreu um aborto espontâneo e, apesar do sucesso profissional, sente-se perdida, exausta e infeliz.

Um dia, a meio de uma importante reunião de negócios, ouve uma voz na sua cabeça que a leva a abandonar o escritório sem dar nenhuma explicação. Nos dias seguintes, a crise agrava-se. Não só a voz se recusa a desaparecer, como começa a fazer perguntas que Julia tem tentado evitar:

Porque é que vives sozinha?
De quem é que te sentes próxima?
O que é que queres da vida?

Entrelaçada com a história de Julia, está a de uma mulher birmanesa chamada Nu Nu, que vê o seu mundo virado do avesso quando a Birmânia entra em guerra e chama os seus dois filhos para serem crianças-soldado."

O Silêncio que Guardaste no Coração é uma obra que se inscreve na linha narrativa típica de Jan-Philipp Sendker, marcada pela delicadeza emocional, pela introspeção e por uma atmosfera que combina intimidade psicológica com um exotismo contido. O autor constrói uma história que se desenvolve num registo pausado, sustentada por uma escrita clara e emocionalmente depurada, que se centra menos sobre a ação e mais sobre os estados de alma das personagens.
A força do romance reside sobretudo na capacidade de Sendker para explorar o tema do silêncio, enquanto ausência de palavras, mas também como espaço interior onde se acumula aquilo que não pôde ser dito. O título é, nesse sentido, fiel ao tom da narrativa: há nos protagonistas uma dor contida que só se revela gradualmente, à medida que o enredo avança. Esta abordagem favorece uma leitura contemplativa, convidando o leitor a acompanhar o processo de reconciliação entre o passado e o presente.
Contudo, considero que essa mesma contenção emocional limita o impacto da obra. O autor tende a privilegiar um sentimentalismo subtil, mas constante, que nem sempre encontra equilíbrio com o desenvolvimento das personagens secundárias, algumas das quais surgem como figuras mais simbólicas do que reais. Há também momentos em que o ritmo lento se aproxima de uma certa previsibilidade.
Ainda assim, a sensibilidade do autor ao abordar temas como a perda, a distância emocional e a possibilidade de redenção, confere ao livro uma profundidade discreta. A narrativa destaca-se pela forma como articula paisagens exteriores e interiores, transformando a geografia numa metáfora da vida emocional das personagens. A premissa prometia, mas, quanto a mim, não foi desenvolvida de forma interessante. Esperava mais.

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Sobre mim

Professora de português e professora bibliotecária, apaixonada pela leitura e pela escrita. Preza a família, a amizade, a sinceridade e a paz. Ama a natureza e aprecia as pequenas belezas com que ela nos presenteia todos os dias.

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