Requiem - uma Alucinação, António Tabucchi

Tabucchi, Antonio (1991). Requiem – Uma Alucinação. Lisboa: Quetzal Editores.

Nº de páginas: 127

Início da leitura: 18/08/2022

Fim da leitura: 18/08/2022

**SINOPSE**

Como que suspenso entre a consciência e a inconsciência, entre a realidade Antonio Tabucchi e o sonho, um homem encontra-se ao meio-dia em ponto, sem perceber porquê, numa Lisboa deserta e tórrida de um domingo de julho. Sabe vagamente que tem umas tarefas a cumprir - uma última, sobretudo: encontrar-se com um ilustre poeta desaparecido que, como todos os fantasmas, talvez apareça só à meia-noite.

Entrega-se ao fluxo do acaso, segundo a lógica das livres associações do inconsciente, e dá consigo a cumprir um percurso que o leva a reviver aquilo que foi, a tentar desatar os nós cegos da sua vida passada que nunca conseguiu compreender. A alucinação, a errância, o sonho, duram doze horas, nas quais o tempo de uma vida se comprime e se dilata: passado e presente confundem-se e os vivos encontram-se com os mortos no mesmo plano.

Com este Requiem, Antonio Tabucchi, ao contar a experiência de uma viagem misteriosa e sapiencial, escreveu um livro que é um acto de amor a um país que lhe pertence profundamente e à língua na qual este livro está escrito.

Ao ler a sinopse pensei: tenho de ler este livro. Ainda não tinha lido nenhum livro do autor e fiquei surpreendidíssima. Este autor italiano optou por escrever este livro em português e a ação decorre em Lisboa. Por incrível que pareça, dei por mim a deambular pelas ruas que o protagonista percorreu por Lisboa, a encontrar-me com as personagens com as quais se foi cruzando, talvez pela forma como escreveu, pelos diálogos corridos ao estilo saramaguiano, pelo sentido de humor sempre presente e que me arrancou vários sorrisos e fiquei de tal forma presa à história que me foi quase impossível largar o livro por um instante que fosse. Posso até dizer que este escritor revelou um portuguesismo mais português do que muitos escritores portugueses. As personagens com que se cruza, o drogado que lhe pede dinheiro; o cauteleiro coxo; a cigana que vende t-shirts Lacoste verdadeiras e sem serem verdadeiras (umas com autocolante e outras não, que cola no momento da escolha do freguês) e que lhe lê a sina; o guarda do cemitério; o chauffeur de táxi que, ao vê-lo a transpirar em bica, se oferece para lhe dar a sua camisa e que, estando há pouco tempo em Lisboa, pouco conhece as ruas, valendo-se, assim, dos conhecimentos do protagonista; a Isadora da pensão, que se oferece para lhe fazer companhia enquanto dorme; o Barman frustrado, porque em Portugal só bebem laranjada (e vinho) e ele que era especialista em cocktails; o vendedor de histórias, que, não vendo os seus livros aceites para publicação, vende histórias; o convidado, de que não é mencionado o nome, mas que reconheci como sendo Fernando Pessoa; o tocador de acordeão, que acompanha o protagonista e o convidado, tocando baixinho, enquanto eles conversam e tantas outras personagens que reconhecemos do nosso país! É realmente um “requiem” por tantas pessoas que foram marcando o nosso passado e que ficam para sempre na nossa memória.

A gastronomia portuguesa, mencionada em vários momentos da narrativa, culminando no restaurante pós-moderno, em Alcântara, da Mariazinha, que tirara um curso de literatura em Évora, com uma “nouvelle cuisine”, onde servem “sopinha Amor de Perdição”, “salada Fernão Mendes Pinto”, “cherne trágico-marítimo”, “linguado interseccionista”, “bacalhau de escárnio e maldizer”... 

Tudo começou com uma alucinação, quando o protagonista estava a ler O Livro do Desassossego de Bernardo Soares. E ler este livro foi um total desassossego. Gostei mesmo muito e só tenho pena de ter terminado tão rápido, pois queria deambular um pouco mais à conversa com Pessoa.

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