Ernaux, Annie (2023). Não Saí da Minha Noite. Porto: Porto Editora.
Tradução: Tânia Ganho
Nº de páginas:88
Início da leitura: 25/11/2024
Fim da leitura: 28/11/2024
**SINOPSE**
No verão de 1983, durante uma vaga de calor, a mãe de Annie Ernaux sentiu-se mal e foi hospitalizada. Aperceberam-se de que não comia nem bebia há vários dias, estava desorientada, revelava falhas de memória. Pouco depois, foi diagnosticada com a doença de Alzheimer. «Não saí da minha noite» foi a última frase que escreveu, numa carta a uma amiga, quando já se encontrava a viver com Annie, que nos três anos seguintes manteve um diário. Aí registou não apenas os sinais do agravamento da doença da mãe, mas também os seus próprios sentimentos ao ver-se impotente, assistindo ao definhar daquele ser que lhe deu vida. «Sonho muitas vezes com ela, tal qual era antes da doença. Está viva, mas esteve morta. Quando acordo, durante um minuto, tenho a certeza de que ela vive realmente sob essa dupla forma, morta e viva ao mesmo tempo, como as personagens da mitologia grega que atravessaram duas vezes o rio dos mortos.»
Neste pequeno livro biográfico, Annie conta-nos, em forma de diário, os últimos meses de vida da mãe, uma mãe que, durante a infância e juventude de Annie, foi implacável, dura, exigente e cruel. Sentimos que os papéis se inverteram, a mãe depende agora de Annie e gosta de ser cuidada por ela, embora, na maior parte do tempo, já não consiga dizer-lho, uma vez que a mãe sofre de Alzheimer. Annie vai revelando sentimentos contraditórios: apesar de haver uma mágoa pela mãe que foi, não consegue deixar de cuidar da mãe que tem e com a qual sente que, em determinados momentos, se funde. Sente igualmente que, ao cuidar dela, o faz com a mesma dureza da mãe...
Annie fala-nos do quarto de Hospital onde a mãe e outros pacientes se encontram e fá-lo de uma forma nua, crua e dura. De tal forma, que nos angustia, nos faz perceber que o ser humano pode chegar a um grau máximo de decadência, de animalidade, que fazemos por ignorar, por não pensar, até pela nossa saúde mental. Pensar na velhice, na mente em branco, nos gestos hesitantemente atabalhoados, na incontinência, no cheiro de urina e não só, num corpo e mente que deixam de ter controlo, faz-nos refletir e deixa-nos tristes. Realista e triste, mas muito bem escrito.
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