Piedade, Susana (2022). Três Mulheres no Beiral. Alfragide: Oficina do Livro.
Nº de páginas:
296
Início da
leitura: 24/05/2022
Fim da leitura:
26/05/2022
**SINOPSE**
Em
plena Baixa do Porto há uma rua icónica com uma fiada de prédios, onde os modos
tripeiros convivem com a música dos artistas, a sinfonia das obras, a vozearia
dos bares e os bandos de turistas curiosos. É numa dessas casas que vive a
octogenária Piedade desde que se lembra e onde tem amigas de longa data. Mas o
terror instala-se quando - ofuscados pelo potencial deste Porto Antigo - os
proprietários e investidores não olham a meios para se livrarem dos velhos
inquilinos, que vão resistindo às suas ameaças como podem, mas começam a sentir
na pele as represálias.
Neste
cenário tenso e desumano desenrola-se a história de Três Mulheres no
Beiral, que é também a de uma família reunida por força das circunstâncias, mas
dividida por sentimentos e interesses: Piedade, que trata a casa como gente;
José Maria, o filho incapaz de se impor e tomar decisões; Madalena, a neta que
regressa com a filha ao lugar onde foi criada para reviver episódios marcantes
do seu passado; e Eduardo, o neto egocêntrico e conflituoso que sonha ser rico
desde criança e a quem a venda da casa só pode agradar.
Com
personagens extremamente bem desenhadas num confronto familiar que trará ao de
cima segredos que se pensavam esquecidos e enterrados, Susana Piedade mantém a
expectativa até ao final neste romance notável e de rara humanidade que foi
finalista do Prémio LeYa em 2021.
A
ação decorre numa velha casa, na baixa do Porto, uma casa que surge
personificada, que guarda histórias e segredos, que simboliza o ruir dos
sonhos, o fim de uma vida, um prenúncio de morte (“Primeiro, a fuga de gás;
depois, a incontinência do teto”). É nesta casa que vive Piedade, é desta casa
que o neto, Eduardo, quer que ela saia, para poder vendê-la a imobiliárias, que
compravam as casas por uma pechincha, e as restauravam para as alugar aos
turistas que tinham começado a descobrir o Porto. Mas qual era o verdadeiro
interesse de Eduardo na venda da casa e na sugestão, à avó, de ir para um Lar
de Idosos? Cederá a octogenária à proposta do neto, deixando para trás um
espaço onde viveu toda a sua vida, onde passou tantas provações, onde guarda os
seus segredos? E a neta Madalena, estará ela de acordo com a proposta de
Eduardo?
Uma
obra belíssima, repleta de personagens tão reais, com sentimentos e pensamentos
tão pessoais e fortes (nos quais, em muitos momentos me revi), que nos deixam
irremediavelmente presos sem vontade de largar o livro. As descrições são
encantadoras, bem como o desfiar de memórias e a linguagem repleta de vida e
que imprime vida ao livro!
Deixo
o cheirinho de uma passagem, como tantas outras, deliciosa: “Além da avó
Piedade, ninguém mais juntava retalhos; haviam-se acomodado ao distanciamento,
como se já não sentissem a falta uns dos outros. Mas, sem os nossos, somos
gente sem teto”.
E
como me identifiquei com esta passagem, que deixa uma nostalgia impregnada de
saudades: “As férias grandes pareciam eternas e davam para tudo (…) As coisas
simples tinham outro sabor, outro cheiro, outra graça; não havia fartura e
ficava-se feliz com pouco. A vida gozava de robustez, apesar das suas
inevitáveis fraquezas; as dificuldades eram sofríveis; e as crianças tinham
medos de criança em vez de carregarem preocupações de adulto”.
Aconselho
vivamente a leitura deste livro!
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