Autobiografia Não Autorizada, Dulce Maria Cardoso

Cardoso, Dulce Maria (2021). Autobiografia Não Autorizada. Lisboa: Tinta da China.

 



Nº de páginas: 232

Início da leitura:05/07/2021

Fim da leitura: 28/07/2021

Sinopse do livro:

«Uma autobiografia é uma missão impossível. Deveria escrever um texto rigoroso, só que sou sempre personagem de mim própria, mesmo que narre tudo na primeira pessoa e me apelide Dulce, como se não estivesse a inventar‑me. Escrever é pensar devagar. A lentidão tanto leveda ou germina quanto mirra ou apodrece. E depois existe o outro lado: vós, os que estais aí. Enquanto leitora de ficção procuro inevitavelmente o autor no seu texto. Que verdade esconde o autor na mentira que conta? Uma autobiografia funciona um pouco ao contrário: que mentira esconde o autor na verdade que revela?
Na minha cabeça, a minha vida é um puzzle desmanchado. De tempos a tempos, pego numa peça e detenho‑me a olhá‑la. A pergunta que deveria espicaçar‑me, Onde é que isto se encaixa?, raramente me ocorre. Sempre fui uma má jogadora e sei que há peças perdidas. Também não conheço a imagem que deveria criar com as peças todas. Miro e remiro cada peça a que lanço mão como se estivesse perante o puzzle completo. A determinada altura, coloco‑a sobre a secretária já repleta de outras peças espalhadas.»
— D.M.C

 

Opinião:

Este é daqueles livros que se quer ler devagar, tirar o máximo prazer de cada crónica, de cada palavra, de cada história de vida. A crónica é um género que parte de um acontecimento aparentemente banal do dia-a-dia para o ficcionar, e assim é com Dulce Maria Cardoso, não fosse ela a escrever. A autora, nestas crónicas, ficciona-se a si própria, recorrendo à memória. E o resultado é este: um livro que se quer degustar, completo, bem escrito, intimista, muito bom! Não é, portanto, um diário, um relato autobiográfico puro. É uma obra ficcionada a partir da verdade, não significando isso que seja verdade!

Nestas crónicas temos o espaço da infância, Luanda, onde inicialmente não teve uma plena integração, refugiando-se nos livros; Portugal, desde Cascais, Lisboa à aldeia da infância, em Trás-os-Montes, transpondo-nos, quando a revisita, para as suas memórias de infância, a sua maneira expedita e viva de ser; o Brasil a salvar-lhe a “tristeza salazarenta” e o mundo, onde nos transporta nas viagens que relembra.

Recorda o momento em que voltou para casa da mãe, quando esta começou a sofrer de demência e do quanto esta situação a veio afetar a ela própria.

Fala-nos da situação pandémica vivida e com esta afetou, de alguma forma, a sua vida e da sua família, angústias que são tão nossas, tão reais, na forma como acontecem e como as enfrentamos. As mesmas dúvidas, as mesmas revoltas…

Fala-nos das esperas e perdas da vida, do amor, do fim das relações, dos desconsertos, da felicidade das pequenas coisas, das ínfimas conquistas.

Um livro doce, que abraça, que tanto aconchega como nos deixa desarmados. Adorável!

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