O Banqueiro Anarquista e Outros Contos Filosóficos, Fernando Pessoa

 Pessoa, Fernando. O Banqueiro Anarquista e Outros Contos Filosóficos. Luso Livros, 2014.

Nº de páginas: 89 (versão digital)

Início da leitura: 29/08/2023

Fim da leitura: 30/08/2023

**SINOPSE**

Coletânea de contos de teor filosóficos e humorístico encontrados no espólio de Fernando Pessoa.

Este livro de Fernando Pessoa, publicado postumamente, integra os contos: "O Banqueiro Anarquista", "Na Farmácia do Evaristo", "No Jardim de Epíteto", "Um Grande Português", "A Pintura do Automóvel", "Na Floresta do Alheamento" e "A Hora do Diabo".
O primeiro conto, a que é dado relevo logo no título, abrange cerca de metade da obra, dá que pensar. Como pode um banqueiro ser um anarquista? Sem dúvida, um banqueiro muito original, com ideias muito próprias sobre a sociedade, as suas desigualdades e "ficções sociais" e as "convenções sociais que tornam essa desigualdade possível." E, num diálogo com o narrador, vai tecendo considerações sobre o seu anarquismo. Deixo algumas passagens:
"Tão mau é o dinheiro como o Estado, a constituição de família como as religiões (...). Ora qualquer sistema que não seja o puro sistema anarquista, completamente, é uma ficção também."
A propósito do real conceito de anarquista, o nosso banqueiro refere que "A diferença é só esta: eles são anarquistas só teóricos, eu sou teórico e prático; eles são anarquistas místicos, e eu científico; eles são anarquistas que se agacham, eu sou anarquista que combate e liberta... Numa palavra: eles são pseudo-anarquistas, e eu sou anarquista."

Destaco, também, o conto "Na Floresta do Alheamento", onde o narrador, a propósito de um homem que se encontra perdido numa floresta, vai refletindo sobre a razão de viver, a verdade, o amor, o sono e o sonho. Gostei imenso da poeticidade deste conto e passo a citar algumas passagens:
"Mais vale, filhos, a sombra de uma árvore do que o conhecimento da verdade, porque a sombra da árvore é verdadeira e dura, e o conhecimento da verdade é falso no próprio conhecimento."
"Ali aquela paisagem tinha os olhos rasos de água, olhos parados, cheios do tédio inúmero de ser. ..Cheios, sim, do tédio de ser, de ter de ser qualquer coisa, realidade ou ilusão - e esse tédio tinha a sua pátria e a sua voz na mudez e no exílio dos lagos."
"Só os sonhos são sempre o que são. É o lado de nós em que nascemos e em que somos sempre naturais e nossos."

Por fim, falo ainda do último conto, "A Hora do Diabo", diabolicamente bem construído na própria desconstrução de ideias pré-concebidas. Neste conto, o narrador, o Diabo, vai mencionando várias obras e autores que dele falam sem nada saber sobre ele, que o "insultam" e "caluniam". De acordo com ele, é "o Deus da Imaginação, perdido", porque não cria. É "o espírito que cria sem criar, cuja voz é o fumo, e cuja alma é um erro."

Ainda que tenha gostado, continuo a preferir a poesia de Fernando Pessoa.

Recomendo a quem ainda não leu.
Esta é uma obra cuja versão digital é legal e gratuita. Poderá encontrá-la, tal como muitos outros clássicos em https://www.luso-livros.net/ .

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